Por
Adeir Ferreira e
Gustavo de Azevedo Porto
Licenciado em História-UERJ
Especialista em Literaturas portuguesa e africana-UFRJ
Professor de História da SEDF
O
fogo, que possibilitou o surgimento dos comportamentos civilizatórios, foi
cultuado desde o surgimento das primeiras cidades. Muitas vezes foi relacionado
à divindades como Héstia e Hefaístos (na Grécia), Vulcano (em Roma) e Xangô (na
África), isso ocorreu porque as primeiras religiões utilizavam este elemento em
seus rituais. Logo, o fogo do Zoroastrismo é o mesmo do Hinduísmo, do Taoísmo,
do Candomblé e do Cristianismo. Em muitos períodos da História da humanidade o
fogo foi compreendido como fator de purificação da alma, o que permitiu a
alguns grupos religiosos acreditar que poderiam usar esse elemento contra os
"impuros". Ou seja, os impuros são aqueles que não se encaixavam nos
padrões de comportamento considerados como aceitáveis... nesses momentos
qualquer um que desafiasse os paradigmas religiosos poderia ser colocado nas
categorias de bruxos, feiticeiros e apóstatas. No Ocidente – sobretudo, no
período medieval –, com o advento do Cristianismo, o fogo passou a ser o elo
entre o mundo material e o espiritual. As Santas Inquisições eram o ato supremo
para a purificação dos pagãos, dos ateus e dos bruxos. Purificação para uns e
contaminação para outros.
Como
já vimos acima, o fogo da vida, o fogo da civilização, também pode ser o fogo
da morte, da barbárie e da perseguição. Este fogo da perseguição foi utilizado
no III Reich, quando obras literárias, espaços culturais e até o parlamento
alemão foram consumidos por este elemento. Este fogo da perseguição também foi
utilizado pelos maometanos para queimar as preciosíssimas obras filosóficas e
científicas da maior biblioteca do mundo antigo, em Alexandria, no Egito,
preservando apenas o Alcorão. Em 8 de março de 1857, nos Estados Unidos da
América, 130 mulheres foram queimadas vivas por reivindicarem melhores
condições de trabalho, equiparação salarial e igualdade de direitos como os
homens. Este mesmo fogo também é utilizado em larga escala para a “purificação
social”, ou seja, como faxina social, como por exemplo, no caso de queima a
mendigos, a moradores de rua, a usuários de drogas. Destaca-se especialmente, o
índio Galdino queimado por jovens de classe média em Brasília, sob a alegação
de que eles achavam que se tratava de um mendigo.
No
Brasil, de um modo geral, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, o fogo
tem ganhado versões menos religiosas, porém não menos separatistas, não menos
violentas, não menos preconceituosas e também não menos dolorosas. As armas de
fogo de agentes de segurança pública e de agentes da criminalidade, os punhos e
bastões dos “justiceiros” playboys das grandes capitais promovem uma grande
limpeza social nas cidades, queimando, linchando e alvejando aqueles que eles
consideram a escória social. O antigo filme chamado Guerra do Fogo (1981), que
retrata o processo civilizatório pré-histórico por meio do fogo mostra a
violência que graça entre tribos primitivas por causa desse elemento. No
entanto, hoje o fogo é o elemento divisor. Ele não é o motivo da discórdia, mas
sim o meio de exterminar uma forma de existência considerada inferior, para que a
outra impere gloriosamente.
Recentemente vêm crescendo o número de relatos de perseguições
a religiosos indígenas e afro-brasileiros. Coincidentemente, ou não, o fogo foi
utilizado como elemento de depredação destes templos. Seria utilizado pela
idéia da purificação ou pela facilidade em não deixar rastros? Independente da
motivação para a sua utilização é assustador constatar que num país democrático
e em pleno século XXI estejamos frente a práticas e pensamentos típicos das
idades média e moderna, quando os tribunais católicos ou protestantes
utilizavam o fogo para a "purificação" das almas errantes... O caso do incêndio ao terreiro de Candomblé
Casa de Mãe Baiana, no Paranoá - Distrito Federal foi destaque nacional nesta
última semana e destacou um tipo de ação silenciosa que vem ocorrendo no Brasil
com ataques sistemáticos a templos religiosos de matriz indígena ou africana.
A Mãe Baiana é uma figura religiosa mais humana, mais
cidadã e mais eclética que eu pude conhecer. Eu pessoalmente testemunhei isso
que afirmo, pois estive a frente de um evento no ano passado, no qual a Mãe
Baiana deu palestras para alunos do Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia. Em
geral, os sacerdotes e as sacerdotisas das religiões de matrizes africanas no
Brasil tem que realizar seus cultos em lugares muito escondidos e muito
disfarçados. Os praticantes são coagidos cada vez mais a não publicizar suas
crenças e não usar mais seus adereços e vestes religiosas em ambientes
públicos. Isso me faz pressupor que a figura da Mãe Baiana, enquanto mulher,
negra, sacerdotisa, classe baixa, grande liderança comunitária estivesse sendo
muito exposta socialmente. A notoriedade da Mãe Baiana é tão conhecida que o
próprio governador do Distrito Federal, visitou o espaço religioso incendiado,
prestando solidariedade a sacerdotisa. Várias lideranças e instituições Brasil
afora se manifestaram sobre o ocorrido.
Tudo que se refere ao negro no Brasil sempre foi
incendiado verbalmente, socialmente, politicamente, gestualmente,
midiaticamente, religiosamente. A queima do templo da Mãe Baiana foi apenas a
materialização da desumanidade daqueles que se julgam os mais humanizados dos
homens. As nossas escolas são espaço públicos e abertos ao público diverso, no
entanto, o que predomina nos espaços públicos são os valores de uma única
categoria social de homens. Estamos num momento em que nesses espaços públicos
você não pode se declarar petista, umbandista, praticante do Candomblé,
homossexual, negro, pobre, rapper... Por diversas vezes eu assisti a calorosa
recepção de religiosos cristãos nas escolas para suas orações em intervalos, em
vigílias nas escolas, em convites a cultos religiosos. E vi também as mesmas
escolas fechando a porta na cara de grupos de capoeira – um dos elementos afro
mais inclusos socialmente –, negando-lhes apoio para suas atividades.
Segundo o UOL notícias, em
2015 ocorreram 13 ataques contra templos religiosos dessas matrizes. Em setembro
deste ano dois terreiros de Candomblé foram incendiados em Águas Lindas e Santo
Antônio do Descoberto, cidades goianas do entorno do Distrito Federal. Com uma
rápida pesquisa é possível constatar que esses ataques não se iniciaram em
2015, pois em julho de 2014 a mãe de santo Conceição de Lissá se reuniu com
autoridades dos Poderes Legislativo e Judiciário do estado do Rio de Janeiro
para denunciar os oito ataques sofridos pelo terreiro que dirige. No relatório
da Assembléia Legislativa de Santa Catarina de 2013 havia uma referência de
repúdio a perseguição de terreiros de Umbanda e Candomblé sob o pretexto de
perturbarem a ordem pública. Dois anos depois, na cidade de Xanxerê - SC, um
terreiro de Umbanda foi incendiado.
Bartolomeu Bueno da Silva, também conhecido por
Anhanguera ("Diabo Velho"), andou pelas terras do Planalto Central
ameaçando as tribos indígenas com o truque do fogo na cachaça... ameaçava,
ainda, incendiar os rios se os índios não revelassem os caminhos do ouro. Os
indígenas foram dominados e vendidos como mercadorias, o fogo serviu como
instrumento de intimidação e violência. Com isso, o famoso Anhanguera descobriu
o Rio Vermelho e fundou o Arraial de Santana, que viria a se tornar a Cidade de
Goiás. Por meio da intimidação o fogo lhe deu riquezas e poder, porém, segundo
os relatos históricos, morreu na cidade que fundou pobre e sem quaisquer
resquícios de poder. Que os novos
incendiários do Planalto Central tenham a mesma sorte.
O Estado Islâmico é hoje o bode expiatório da barbárie
humana. Convido a todos os leitores desse breve ensaio, “com o coração contrito
e humilde”, inspirados pelo Espírito Santo, inebriados do axé a praticar uma
análise real da alma das pessoas que te cercam. Para tanto, expurgue de você
mesmo todo conceito previamente formado que tens acerca da humanidade e ouça o
que estas pessoas têm a dizer. Semana passada, ao conversar com um grupo de
estudantes sobre o problema antrópico em Mariana-MG, eles chegaram à conclusão
de que o problema do planeta Terra é o homem. E que, portanto, a solução para a
sobrevivência do mundo seria a morte do homem. Não me assombrou a falta de
esperança no homem, mas a que homem o grupo se referia. Sempre alguém faz piadas
com a minha barbicha e associa a minha fisionomia à estética do homem-bomba,
mas a estética dos sem-barbichas escondem a podridão ética e moral do que é
mais profundo num homem, o seu caráter. O caráter dos caras limpa é perverso,
insano, vingativo, egoísta, machista, racista, homofóbico, xenofóbico, classicista,
cujo envernizamento estético vela e legaliza o mais ardiloso dos pecados do
Diabo, a vaidade.
A vaidade do Diabo está mais presente no coração humano
do que nós podemos imaginar. A vaidade está mais presente, sobretudo no coração
de quem possui mais poder, porque ela é o fermento do ego, e o ego é o que
divide a humanidade. Se você tem um par de chinelos mais novo do que o do seu
vizinho, então a lei da vaidade imprime em seu caráter a certeza de que você tem
mais direitos do que ele. Foi-se o tempo em que essa figura mitológica, o Diabo
(cuja etimologia diz que a essência do seu nome é diá = dois e bolos =
unidade, logo Ele é divisor), cheirava a enxofre, usava um grande tridente, e
cultivava grandes chifres. Olhe a humildade e a simplicidade de um padre ou de
uma freira, quão doce é. Converse com eles e perceberá que o grande tesouro de suas almas são a simplicidade e a sua humildade, de tal modo que se você ameaçar esse
estado espiritual dessas figuras você as destruirá. No breve tempo de 5 anos em
que fui seminarista católico eu pude perceber a presença do elemento espiritual
do Diabo nos corações dos religiosos. Assim como a moralidade religiosa que se
laicizou, a moralidade diabólica também se laicizou. De tal modo que percebemos
como nunca na história desse país - após a secularização do Estado -, um sentimento
diabolicamente-religioso tão vivo, dentro e fora das igrejas, porém com um
verniz estético da cara lisa, da justiça, da fama, do sucesso, da moral.
Em
diversas religiões o Diabo é mantido cativo afim de, ser prova material da
existência de Deus. Como diz Hegel, Deus só é o que é através da existência da negação
Dele próprio no não-deus. Vejamos o exemplo do bizarro deputado federal e
pastor, Marco Feliciano numa pregação em que ele disse que a morte de John
Lennon e dos Mamonas Assassinas foi a conflagração da justiça de Deus contra a
fama que esses cantores haviam adquirido. Ou seja, ninguém é maior do que Deus.
Mas, o próprio Feliciano, enquanto homem de Deus está a autorizado pela vaidade a ser maior
do que os artistas e dos seres humanos ao rechaçar duramente homossexuais e
negros. E o Feliciano também se sente no direito de esbanjar vaidade em forma
de estética facial, capilar, de vestuário e do altíssimo preço cobrado pelas
suas pregações em congressos, cultos e eventos. A vaidade diabólica nunca
esteve tão viva nesses corações piedosíssimos, puríssimos, justíssimos que em
nome de Deus incendeiam o ódio contra seres humanos negros e seres humanos de
orientações sexuais homoafetivas.
Não teria sido então, a vaidade do Diabo, encarnada nos
corações mais puros, mais crentes, mais brancos, mais heterossexuais, mais
ricos, mais justos, mais cultos, mais direitistas, mais populares
midiaticamente, mais viris, mais másculos que usaram o fogo natural, o
espiritual, o moralístico, o capitalista, o sexual, o racial para queimar o
outro ser humano? O senso de justiça e de moralidade nunca esteve tão
envaidecido atualmente. Oh Mãe Baiana, na visão dos vaidosos ortodoxos
brasileiros o seu autêntico esplendor religioso que Deus costuma conferir
especialmente só a poucos santos não pode ser maior do que a vaidade diabólica
de um evangélico ou de um católico. Porque o pavor do Feliciano, do padre, do
pastor, do branco, do crente, do macho é que a sua vaidade seja ofuscada pelo
excelso da sua existência divinal.
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