A superação da metafísica
Por Adeir
Ferreira – Filosofia e Existência - I
O problema que as concepções
metafísicas relegaram ao pensamento ocidental girou, preponderantemente, em
torno do ser e de suas qualidades, identidade, essência e forma. Martin Heidegger
plotou na história da filosofia um problema de fundamento do ser. Heidegger
observou que o ser foi entificado em todo o curso da metafísica, sendo
autêntico somente o pensamento dos filósofos da natureza, sobretudo Heráclito.
Nessa perspectiva a filosofia heideggeriana pretende retomar a metafísica a fim
de buscar o sentido original do ser esquecido pela metafísica.
Heidegger, na abertura do capítulo
um (Necessidade, estrutura e primado da questão do ser,) de Ser e Tempo (2006),
diz: “no solo da arrancada grega para interpretar o ser, formou-se um dogma que
não apenas declara supérflua a questão sobre o sentido de ser, como lhe
sanciona a falta” (ibd. p. 37). Quando se conceitua o ser como universal e
vazio, a conceituação acaba criando obstáculos à definição acerca do ser,
fechando assim a possibilidade de discussões posteriores.
Outra lacuna produzida no sentido do
ser pela metafísica diz respeito ao conceito de ser como “indefinível”. A
tradição reduz o ser ao indefinível, gerando assim comparações do ser com o
ente por falta de sentido que a indefinibilidade produz: “a indefinibilidade de
ser não dispensa a questão de seu sentido; ao contrário, justamente por isso a
exige” (ibd. p. 39).
E num terceiro momento Heidegger
critica a tradição que trata o ser como “auto evidente”, ou, “conceito evidente
por si mesmo”, pois, em última instância, essa condição apaga o filósofo e o
filosofar em seu papel elementar, o questionamento. Por isso Heidegger diz que
– no trabalho da busca do sentido do ser – ao: ”retomar a questão do ser
significa, pois, elaborar primeiro, de maneira suficiente, a colocação da
questão” (ibd. p. 40). O postulado da questão pressupõe busca. Busca-se o
esclarecimento. É nessa perspectiva que assentará a filosofia de Heidegger.
Para Heidegger a superação da
metafísica se dá por meio da introspecção da própria metafísica, ou seja, fazer
o caminho de volta às origens em busca do ser enquanto ser. Para o filósofo, a
tradição ontológica deve ser destruída (ibd. p. 65), pois ela impede a
concretização verdadeira da questão do ser. É dessa forma que se deve construir
um novo método por meio de uma investigação ontológica do fenômeno.
Já numa perspectiva mais radical, e
até menos esquemática, Nietzsche propõe a superação da metafísica por meio de
uma destruição total da tradição. Conforme Scarlett Marton (2001), grande
pesquisadora em Nietzsche, há um posicionamento filosófico atípico em relação à
metafísica por parte do niilista. Nietzsche propõe a transvaloração dos valores
criados pela tradição racional.
Nietzsche associa Deus a metafísica,
em fim, ele coloca a razão, a ciência, a religião e a cultura ocidental no
mesmo bojo: “é a morte de Deus, pois, que permitirá a Nietzsche acalentar o
projeto de transvalorar todos os valores” (Marton, 2001, p. 71). Marton nos
apresenta os pressupostos que fazem referência ao pensamento de Nietzsche em
relação ao estado psíquico que fez com que a humanidade tivesse os valores
metafísicos como matriz da vida.
O homem não era capaz de lidar com
sua finitude, por isso criou a metafísica, a fim de lhe dar a sensação de
continuidade e de superioridade em relação à própria vida que mudava em morte.
Da mesma forma, criou Deus e os valores para domesticar os outros homens (ibd.
p. 82).
Zaratustra é a personagem que
Nietzsche utiliza para encarnar seus pensamentos. Conforme sua principal obra
de cunho transvalorativo (Crepúsculo dos Ídolos) a filosofia nietzscheana
demonstra ser aforismática e niilista devido ao próprio modo de filosofar, a
marteladas. Nietzsche concebe a metafísica como engodo. A metafísica é como
treva que se faz passar por luz, no fundo massifica os homens lhes tirando a
própria vida, a autonomia, o protagonismo por meio da razão. Os mestres nessa
arte são Sócrates, porque “representou um marco na visão grega do mundo,
substituindo o homem trágico pelo teórico; e Cristo, um marco no pensamento
ocidental, substituindo o pagão pelo novo homem” (ibd. p. 83).
Após a superação da metafísica
tivemos um movimento histórico dito antimetafísico, que outorgou ao
racionalismo, ao positivismo e ao cientificismo um verniz de negação da
metafísica, no entanto, não se configura com o pensamento de Nietzsche e nem de
Heidegger. O iluminismo abandonou a parte teológica e ontológica do saber se
devotando ao modelo de pensamento fatídico, conforme Adorno e Horkheimer
(1985), mas não houve mudança em relação a concepção do ser, apenas mais um
recalcamento do seu sentido original, os próprios autores, neomarxistas, já
apontaram os problemas que o racionalismo trouxe para o pensamento, a
destruição do esclarecimento:
Abandonando
a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o
pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso,
também sua relação com a verdade (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 13).
Podemos inferir deste
posicionamento frankfurtiano somando ao de Heidegger que, se a metafísica em
seus moldes tradicionais não permitia uma investigação questionadora do ser,
muito menos permitirá algum questionamento sobre o ser, ou sobre si próprio nesse
modelo de pensamento pragmatizado. Por fim, esse pragmatismo denunciado pelos
frankfurtianos não coaduna com a libertação da metafísica que Nietzsche tanto
queria, pois, a humanidade não se submete mais aos pressupostos metafísicos e
sim fatídicos, científicos, estatísticos. Dessa forma o homem não tem o domínio
sobre a sua própria vida, pois está fadado a uma massa de manobra pela Indústria Cultural (emaranhado de
ideologias somadas ao contexto capitalista que produz bens culturais).
Referências Bibliográficas:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
ADORNO, Thedor. e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
HEIDEGGER, Martin. A essência do fundamento. Edição
bilingue. Edições 70: Lisboa. (Biblioteca de Filosofia Contemporânea):
_________________. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá
Cavalcante Schuback. Vozes: Petrópolis, 2006.
MARTON, Scarlett. Extravagâncias:
ensaios sobre a filosofia de Nietzsche. Discurso Editorial e Unijaí: São Paulo,
2001.
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